*Má Peters*
Teste da Violência Obstétrica - Dia Internacional da Mulher - Blogagem Coletiva
Sobre mulheres, partos e liberdade: os bastidores do parto

Este post faz parte de uma blogagem coletiva que ocorre hoje, dia 08 de março, o Dia Internacional da Mulher! Nele eu falo um pouco dos bastidores do parto do Miguel mostrando as dificuldades que passei e que, acredito, muitas mulheres passem à sua maneira, na busca pelo parto “perfeito”, onde a autonomia da mulher é ameaçada principalmente pela mentalidade de uma sociedade movida pelo medo e pela dinamicidade do dia-a-dia dos profissionais de saúde de forma direta ou indireta e sua liberdade de escolha é colocada em cheque, quando não suprimida brutalmente.

Quando decidi ter o Miguel – hoje com 5 meses e 17 dias – eu tinha apenas uma certeza: eu teria um filho. Para ser mais exata, minha certeza era: eu e o Dudu teríamos um filho! Seríamos, assim, uma família! Preciso assumir que sou uma pessoa que não se planeja muito e um tanto desligada, então, mesmo depois dessa decisão de ter um filho e se tornar uma família, a gente (digamos que eu e o Dudu tenhamos um ritmo semelhante...) não se desesperou, se descabelou e enlouqueceu correndo atrás de coisas “básicas” ao decidir se tornar uma família, ainda mais quando até então não se mora junto e ainda depende (relativamente, pois há algum tempo já era uma bolsista e recreacionista nas horas “vagas”) de seus pais. Com o apoio e auxílio de nossos familiares começamos nossa busca pelo item material mais importante de uma nova família (quando se pretende romper os laços físicos com nossos progenitores, o que nem sempre é possível ou nem sempre acontece): nosso lar. Por muito, MUITO tempo, esse foi nosso principal foco: encontrar um apartamento.

É óbvio (ou não tão óbvio assim) que também estávamos curtindo a gravidez e realizando o tão recomendado pré-natal – com uma médica de meu convênio médico. Não era uma médica da qual eu era íntima, mas já havia feito uma consulta com ela uns anos antes. Uma médica, inclusive, renomada no mundo acadêmico e que tinha um álbum de fotos de vários bebês que, suponho, ela tenha feito o parto. Me sinto obrigada a assumir que minha relação com os médicos (em geral), enquanto paciente, sempre me foi muito delicada... o que também sempre atribuí ao fato de “meu” médico ser homeopata, portanto, desde criança faço “tratamento” homeopático e isso sempre fez com que os outros médicos respondessem a essa informação com desdém, além de ignorar minha relação com a homeopatia e me receitarem remédios alopáticos – que eu provavelmente não tomei – sem maiores explicações ou alternativas. Ou seja, com essa médica não foi diferente. Desde quando fui procurá-la, na primeira consulta na qual se iniciaria o pré-natal, eu já queria não estar lá... mas era a única médica do convênio que eu conhecia, então, assim seria... Ela, particularmente, não foi nada atenciosa e, se posso dizer, foi quase totalmente desinteressada, a não ser pelas respostas dadas às perguntas específicas do seu roteiro de primeira consulta do pré-natal, por exemplo sobre as mil e uma doenças que eu poderia ter tido. Me lembro bem que me tornar gestante não me deu, automaticamente, nenhum conhecimento que eu ainda não tinha, portanto não fui simplesmente iluminada sobre o que ou como seria realizado um pré-natal ou o processo de gestação, e lembro ainda que na minha primeira consulta eu disse que não sabia se eu precisava fazer ou deixar de fazer alguma coisa, me alimentar de algum outro jeito, mudar a rotina, etc, e ela simplesmente não respondeu nada... quando voltei após o primeiro ultrassom, o qual foi super difícil de agendar, tinham se passado dois meses, e a médica me deu um sermão, dizendo que eu deveria ter ido no mês passado, afinal no acompanhamento de pré-natal tem consulta todos os meses. Ela foi enfática sobre ter passado o tempo exato (que é em alguma semana específica da gravidez) de realizar um exame que veria se o bebê teria problemas congênitos, e então nunca mais eu poderia saber (“a tempo”?) se ele seria um bebê saudável. Eu engoli o choro no consultório... não que eu estivesse chorando porque não sabia se meu bebê teria uma doença terrível, pelo que eu sentia e já sabia ele era um lindo pedacinho de carne se formando. Mas eu me senti mal com a forma que ela me tratou.. não sei qual seria a palavra certa pra descrever o que eu senti naquele momento, mas aquela mulher.. eu queria sair de lá correndo e nunca mais precisar voltar... Se eu imaginasse que algo pudesse fazer mal ao meu bebê, eu nunca tomaria determinada atitude, e se eu soubesse que eu tinha que fazer determinado exame, eu teria feito, e se eu soubesse que as consultas do pré-natal eram mensais, eu teria ido, o ponto é que EU NÃO SABIA, ela nunca tinha me falado isso. Eu mostrei que estava perdida na consulta anterior e ela não falou nada, não me deu nenhuma dica, não perguntou sobre meus hábitos, não se interessou por nada e não me disse que eu deveria voltar em um mês... e depois que eu não voltei ela me apavorou, fez eu me sentir culpada, um lixo... Lembro também de uma outra consulta, eu tinha tido dores ma barriga, havia ficado um tanto preocupada, mas havia ligado pro meu homeopata, contado em detalhes o que sentia, ele havia dito para e ligar imediatamente sempre que sentisse qualquer coisa na barriga, só pra ele ver o que é e poder dizer que não era nada com o que se preocupar... quando contei da dor na consulta com a obstetra, aquela que deveria se preocupar com meu bebê, bem, ela simplesmente me mandou tomar buscopan. Eu estava tentando descrever a dor para ela saber exatamente qual o tipo de dor era e ela não quis ouvir, me mandou tomar buscopan e pronto. E se um dia eu tivesse uma dor preocupante? Como ela saberia que não poderia ser algo ruim com o bebê? Se para qualquer dor, não importa qual fosse, eu tomasse buscopan? O fim da picada mesmo foi um dia em que eu estava cuidando de minha sobrinha de 1 ano e meio (na época) e minha irmã ficou presa no médico por causa de um machucado no pé e eu acabei levando minha sobrinha pra consulta. Não que obstetras devam gostar de crianças, mas minha sobrinha era só um bebê grandinho, e obstetras não precisam gostar de bebês, mas eu também não preciso gostar de uma obstetra que não gostam de bebês... Enfim, minha sobrinha tava super animada brincando com umas moedinhas pelo consultório e a médica queria que ela ficasse sozinha na sala de espera enquanto ficávamos (eu e o “titio” Eduardo) na consulta. Sem falar numa cena – bem engraçada! – em que a médica tava falando alguma coisa e minha sobrinha começou a querer falar comigo e a tal médica fechou os olhos de tão nervosa e continuou falando de olhos fechados com uma cara muito brava e como se nada estivesse acontecendo. Na verdade menti, o fim da picada foi numa outra consulta: minha mãe foi comigo pra consulta e meu namorado iria encontrar com a gente lá. O que aconteceu foi que ele nunca chegou e nem ligou pra avisar. Eu, que já odiava ir à médica e precisava dele do meu lado apertando minha mão, fiquei puta com ele durante toda a consulta e não consegui falar sobre o parto – que tínhamos nos planejado para conversar sobre isso naquele dia. Não estava me agüentando de raiva e quando descemos para ir embora encontro ele na entrada do prédio, ele tinha chegado antes mesmo da consulta começar mas a secretária tinha dito para ele não subir porquê não cabia na sala de espera e disse que se ele subisse ia mandar minha mãe embora. É, acho que esse foi o fim da picada. Ah, é claro, mais do que esse acompanhamento amedrontador, minha médica-acadêmica-exemplar fazia parto normal se não tivesse nenhum problema e não daria anestesia se eu não quisesse, mas TODAS suas pacientes de parto normal pediram anestesia na hora do “vamo vê”, e bem a episiotomia é algo preventivo que, se o bebê estiver virado para um lado x,  não da pra evitar... por essas e outras é que eu já sabia, desde o início, que não seria ela na hora do vamo vê...

Focada nas transformações materiais de minha vida e sem ter dúvidas sobre querer ter um bebê da forma mais natural possível, porém, sem lutar contra minha médica medicalizante, os meses foram se passando... Eu sabia que não faria meu parto com ela, mas não estava disposta o suficiente pra encontrar outros caminhos até então... quando as outras questões foram se resolvendo, a gestação continuando, começou a fazer muito mais sentido pra mim me preocupar, de fato, com o tal dia do nascimento. Seguimos a dica de um amigo e entramos em contato com uma nova médica – fazia parto humanizado e era doce e atenciosa – pelo menos foi o que ouvimos dizer. Na primeira vez que liguei para ela, sem nem me conhecer, ela foi tão simpática que quase achei que ela estava me confundindo com outra pessoa. O problema dela para mim era que ela não era de convênio nenhum, ou seja, muita areia pro nosso caminhãozinho de companheiros-que-vão-morar-juntos-e-não-tem-onde-cair-morto, na verdade não temos nenhum caminhãozinho ou qualquer outro meio de transporte próprio, então ela era muita areia, ponto. Não podendo nos dar ao luxo de pagar muita grana ou qualquer grana que fosse num parto (já que tínhamos a opção convênio) colocamos a médica na caixinha dos sonhos impossíveis e começamos a procurar outras alternativas que nos levassem pelo caminho da “naturalidade” – entre aspas porquê, como sabem os que já procuraram, não se encontram médicos desse tipo tão naturalmente... Tentei inclusive outras médicas do convênio, fui numa que era simpática e atenciosa e respondeu cada coisinha idiota que eu tinha pra perguntar, foi ótimo! Me fez perceber que nem todos os médicos de convênio precisam ser, hmmm, megeras! (com o perdão da falta de concordância) De qualquer forma, ela ser boazinha e gentil não mudava o fato de que ela não fazia parto natural pois só trabalha com horários fixos e ou seria cesária ou parto com o plantonista do hospital do momento. Para aqueles que desacreditam totalmente no mundo e nos serviços de saúde, fica a dica: há muitas formas de encarar o parto naturalmente no serviço público de saúde, a questão é que tem que procurar bem e aceitar os contras que acompanham os tais prós... Sim, encontramos alternativas interessantes, não, elas não pareceram boas o suficiente para mim naquele momento e o mais importante de tudo: eu estava apaixonada pela “médica do telefone”. Dizem que a primeira impressão é a que fica, e ficou mesmo! Depois de muito procurar eu só conseguia me imaginar no momento do parto com aquela voz perto de mim (é, tudo que eu conhecia dela era sua voz).

Eu estava decidida pela naturalidade do parto, eu já tinha gostado de uma médica, então porquê não ficava com ela e pronto? Bom, parece fácil essa tomada de decisão, mas REALMENTE não tínhamos esse dinheiro. Não podemos ignorar que há alguns benefícios e, pior, alguns direitos, que só o dinheiro pode assegurar... Sem querer deixar ao entendimento do leitor, não, eu não estou querendo demonstrar que o dinheiro é o maior ou um dos maiores bens que uma pessoa pode ter, eu estou querendo chamar atenção para o absurdo dos direitos serem garantidos por um bem material externo ou simbólico e não por uma condição intrínseca do ser-humano: ser humano. E, para ser mais sincera, se não tivéssemos condições nenhuma de pagar, nem dividindo em 100 vezes, nem pagando 10 reais por mês, nem com dinheiro que ganhamos de amigos e parentes, não poderíamos ter optado por este parto humanizado. Mas a dúvida, decidir por isto ou por aquilo, aceitar ter um parto provavelmente natural, tomar remédio se sentisse dor sem nenhuma preocupação com outras formas de lidar com o parto para que a medicação fosse evitada, ter meu bebê tratado como algo sujo e perigoso que precisa ser tirado de mim, limpado e avaliado antes que eu pudesse pegar no colo – talvez eu tenha pego pesado nessa parte... – mas a dúvida era: se eu me endividar, se me comprometer a pagar algo com um dinheiro que eu não tenho e estou torcendo pra conseguir sem poder pensar no “e se não conseguir?”, era se seria uma escolha legítima ou se era mais um desejo consumista e plenamente descartável, um mimo daqueles que quem tem dinheiro paga e quem não tem se mata pra poder pagar e na verdade não vale tudo isso... Não estou querendo entrar aqui no mérito do valor que os médicos, enfermeiros, anestesistas, etc, cobram por seus serviços ou nos valores que quaisquer profissionais cobram por seus serviços, estou querendo mostrar que a minha dúvida era se valia a pena gastas um dinheiro importante pra eu me sentir segura e poder oferecer pro me futuro filho-nascido um mundo aconchegante e com o menor número de intervenções invasivas. E a resposta é: é óbvio que vale a pena! E é tão bom que eu possa ter essa resposta, porque outras pessoas que não puderam contar com os auxílios que eu tive não poderiam tê-la dado. O que me fez decidir pela médica do telefone, a médica dos meus sonhos e que existia na vida real foi a minha segurança! É triste pensar que muitas mulheres desejam um parto natural e não o têm porque seus médicos de “última hora” perceberam que o bebê estava em risco.  E o mais triste disso tudo é saber que a grande maioria desses médicos não esperou até a última hora e que os riscos eram os riscos habituais de um bebê que nasce naturalmente pela vagina da mãe como ocorre a bons milhares de anos... isso somando-se à urgência de partos agendados e com horário pra começar e terminar, o que facilita um tanto a vida dos médicos. Nesse último parágrafo corri o risco (e creio, acertei em cheio) de ser um pouco mais ofensiva do que gostaria e generalizar uma classe profissional pelo trabalho mal feito de alguns. Me desculpem, portanto, os médicos que não se encaixam nessa minha visão preconceituosa e não tão ingênua assim. Eu não saberia colocar aqui os dados exatos (mas achei esse  pdf que pareceu bem interessante e traz alguns dados: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro_parto_web.pdf) ,mas sei que primeiro: muitas mulheres gostariam do parto natural e os médicos acabam indicando cesárias, segundo: há muito mais cesárias do que seria necessário, assim como outras intervenções como epsiotomia ou anestesia, terceiro: em nossa sociedade movida pelo medo e pela idéia de que ser feliz é não ter problemas ou sentir dores, tudo que se fala é sobre a dor do parto e não sobre, por exemplo, a força do parto ou ainda sobre como a escolha pela forma do parto ou das intervenções que o bebê sofrerá antes, durante e após nascer fazem parte da vivência do bebê no mundo que pode ser sentida de formas melhores ou piores a depender de nossas escolhas.

Agora, voltando a falar da minha escolha por segurança: no momento do parto eu estaria vulnerável e obviamente deveria confiar em meu obstetra e fazer o que ele dissesse ser o melhor para o meu filho, portanto, deveria ser alguém que eu confiasse a ponto de se a pessoa disser “não tem jeito, tem que ser cesária”, eu saberia que DE FATO a cesária seria necessária e seria a melhor opção pro nascimento de meu filho. O que destaco disso: eu precisava confiar nesse tal médico, e era na médica do telefone que eu já confiava, mesmo sem conhecê-la de verdade. Quando decidimos conhecê-la eu já sabia que seria ela, eu sabia que iria gostar dela... é claro que fiquei com o maior frio na barriga: e se eu me decepcionasse? E se ela não fosse tudo aquilo que eu estava imaginando? E se eu não fosse com a cara dela (apesar de gostar de sua voz e seu jeito de falar comigo)? E se ela ignorasse meus medos e minhas dúvidas? E se? E se? E se? Bom, me sinto obrigada a revelar que nenhum desses medos se fez realidade e sim, era ela! Foi ela! A médica que eu não achei que existisse, que respeitava minhas vontades, que respeitou meu bebê, que usou todo o conhecimento que a medicina lhe propiciou para analisar a situação e garantir o meu direito de escolher e de dar a vida de forma humanamente natural.

Intencionalmente não quis deixar clara a minha opinião sobre a forma de parto que eu defendo, mesmo tendo optado pelo parto humanizado. Fiz isso não porque eu não acredite que há uma forma mais aconchegando do bebê vir ao mundo – eu acho que tem e acho que é quando ele pode escolher o momento que quer nascer, pode se ajeitar no útero da mamãe e começar o trabalho de parto junto do corpo da mãe, trabalho esse que vai marcando para o bebê uma grande transformação, a mudança de um mundo fechado e quentinho em que o alimento simplesmente o nutre para um mundo amplo, diverso e novo, em que ele é obrigado a se manifestar e buscar o que necessita e deseja... – ou seja, eu acho sim que um parto natural tem qualidades inestimáveis, mas eu não defendo uma forma de parto e sim uma idéia, um ideal de parto: o que for melhor para o bebê e sua mãe. Acredito também que a escolha por uma forma de parto também está ligada a outros fatores que só a mulher que tem um filho no ventre a nascer pode considerar, e deve considerar no momento de fazer sua escolha. Eu acredito que nem o bebê, nem o marido, nem o médico podem escolher pela mulher essa vivência, que ocorre sobretudo no seu corpo, na sua experiência. Não que eu ache também que o pai do bebê não deva ser considerado na escolha, acho sim que ele deve participar das decisões a serem tomadas, deve ter participação nas conversas, suas opiniões consideradas, de forma a serem acolhidas pela mulher, mas não simplesmente aceitas. A minha crítica, nesse sentido, é de que a sociedade, o serviço de saúde, os médicos.. deveriam oferecer à mulher essa outra forma de pensar (que não a habitual) que considera a vivência do bebê durante o parto, das possibilidades que uma mulher tem de viver um parto que tenha dor, mas que não seja sofrimento, que seja amor, alegria, que seja força... e então a mulher, nas suas possibilidades, considerando todas estas coisas que não só ela e não só o medo e a dor, possa ter a liberdade e a autonomia de escolher o parto que seja o melhor para ela e seu filho. 

Ah! Na hora do vamo vê, o Mig nasceu dentro de uma banheira quentinha e foi recebido da forma menos invasiva possível graças ao seu maravilhoso pediatra(o que é história para outro post) e a mamãe teve o parto mais natural possível e sem intervenções médicas! Pra quem se interessa, o link do post do parto: http://www.nascendo-uma-mamae.blogspot.com/search/label/sobre%20o%20parir%20e%20o%20nascer




Abaixo um teste que se propõe a avaliar o atendimento recebido no momento do parto e verificar se ocorreu algum tipo de violência. Quem puder e quiser, participe!